15 de agosto de 2025

O menino e a gaivota

Minha infância foi em Sousa, uma cidade onde sol batia forte em praticamente todos os meses do ano na década de 1960. Isso não mudou muito desde aquela época. A diferença mesmo é que, naqueles anos, o tempo passava arrastado feito caminho que se percorre a cavalo. Sem os smartphones de hoje e a televisão que só chegaria alguns anos mais tarde, a nossa diversão eram os banhos de rio nas raras enchentes, as peladas na quadra da escola que nós nos cotizamos para construir, os jogos em Cajazeiras com Rômulo de Lafaiete e o circo que vinha de meses em meses.


Mas havia um passatempo que me deixava especialmente ansioso. Era a espera da gaivota. E não me refiro à ave marinha de bico forte, de presença quase inexistente na sequidão do semiárido. Falo mesmo da empresa de ônibus que levava e trazia, além dos viajantes que vinham e voltavam de João Pessoa, do Recife e até de São Paulo, as revistas que líamos compulsivamente até um novo pouso da Gaivota.
Eu e Salomão saíamos de casa e caminhávamos uns cinco quarteirões para comprar as revistas. Geraldo da Banca, que sabia desde cedo que quem tem com o que me pague não me deve, deixava fiado até papai chegar e pagar a conta toda. A gente lia de tudo: política naturalmente, história, futebol na Placar em que acompanhávamos o Flamengo, nossa paixão, e o Santos de Pelé.


Mas as minhas maiores fixações eram a Corrida Espacial, que era intensa durante a Guerra Fria, e o transplante cardíaco. Surpreendia-me como Armstrong podia chegar à lua, um canto para o qual não se compra uma passagem nem pela Gaivota e, que, portanto, meus olhos não podiam enxergar. Na mesma proporção, admirava-me como Barnard e Zerbini permitiram o movimento sistólico-diastólico por meio de um coração de alguém que já morrera. Era como um eletricista que ligava dois fios e fazia a luz voltar a iluminar. Simples assim, mas não tanto.


Era como se o ser humano pudesse, em algum momento, atingir a imortalidade. Eu fiquei tão animado com o tema que, em um trabalho da escola, escolhi tratar sobre ele. Li todas as revistas trazidas no ônibus, fiz os fichamentos necessários, decorei tudo que precisava falar e abordei o assunto em sala de aula. Para minha surpresa, um rotundo ZERO, em letras e sermões garrafais. Teria eu blasfemado ao sugerir que o homem poderia substituir Deus, o único que pode dar e tirar a vida.

Aquilo não me convencia. Esse não era o Deus em que eu acreditava. Já naquela minha mente de menino, não havia espaço para a antítese religião-ciência. Afinal, quantas vidas a ciência já salvou e continuará salvando pela providência divina? Eu ficava a imaginar se um dia eu seria capaz de contribuir de alguma forma com os fenômenos que as revistas faziam minha imaginação voar longe.


Eu nunca tive a pretensão de me tornar astronauta. O máximo que consegui foi construir um dos maiores centros universitários do país que, dentre outros cursos, possui um de aviação civil, pioneiro no Nordeste. Sucede que os aviões podem até nos levar a Mary W. Jackson, mas definitivamente não à lua, muito menos a outro planeta desconhecido.


Já o sonho do transplante me parecia mais possível. Eu virei médico e vi átrios e ventrículos a centímetros.
Mais do que a técnica, me sentia vivo, com um instrumento de exercício da solidariedade e do desprendimento. Talvez, ao contrário do que pensou a professora carola, as mãos de Deus no mundo que concedem a alguém o direito de sonhar.


E Deus me deu a chance de construir o maior hospital da Paraíba, um dos maiores do Brasil, para oferecer o melhor tratamento médico com igualdade para aqueles podem e os que não podem pagar, ricos e pobres, pretos e brancos, do Catolé a Bodocongó. O SUS que sai do papel. Deus me deu a chance de curar um câncer nesse mesmo hospital, ao lado de pessoas humildes dos mais diversos rincões do Estado que faziam radioterapia na mesma sala que eu com o melhor equipamento do mercado por recomendação do meu oncologista que, anos atrás, salvava a vida de Gisele no maior centro médico do país.


Essa semana, o HELP obteve mais uma grande conquista: o credenciamento para fazer transplantes cardíacos, concedido pelo Ministério da Saúde. A proximidade com o Hospital de Traumas não poderia propiciar espaço melhor para salvar vidas através de tecnologia de ponta aliada à empatia e aos gestos de comovente humanismo daqueles que nos deixam, mas deixam na terra uma semente de amor ao próximo.


Aquilo que parecia blasfêmia ou até ficção científica para um garoto curioso virou a realidade próxima que salvará inúmeras pessoas. Hoje, o sonho da vida se confunde com o meu sonho de menino.

A história escrita e contada por Dalton Roberto Benevides Gadelha - Presidente da Fundação Pedro Américo.

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